segunda-feira, 4 de abril de 2011

MOÇAMBIQUE

TESTEMUNHOS

MOÇAMBIQUE
Passando o Rovuma
Colecção particular
8 DE NOVEMBRO DE 1916
DE NEVALA PARA LULINDI


(...) Falava-se com insistência nos famosos reforços que a Metrópole enviaria, mas os soldados sentiam-se cheios de desenganos, abatidos por tantas e tão desoladas amarguras, deixando-se abater, andrajosos, ampaludados, rotos de espírito e vestuário, acreditavam, com uma serenidade búdica de dever cumprido, que já não tinham alma para mais! (...)



(...) Ao Quartel-general competia estar em Palma, a cento e tantos quilómetros, onde nem um berro de canhão chegava. Em compensação trabalham de gabinete como mouros, expedindo ordens:
- Avance!
- Mas não temos víveres...
- Avance!
- Mas não temos água...
- Avance!
 E cá vamos seguindo junto ao rio, como uma lesma (...)


Sobre o Rovuma
Colecção particular

(...) E numa tarde de sonho Deus chegou! Era o Major de Artilharia, Leopoldo da Silva, visionário incorrigível, na sua luminosa coragem, na ode magnífica da sua insensatez marcial(...)



Major Leopoldo da Silva
Colecção particular



Marcha para Lulindi
Colecção particular

(...) Vinha ébrio de sonho. Que iria suceder? O Major com o seu aspecto viril e inquieto, com o seu séquito de artilheiros todos rútilos e altivos nas fardas vistosas, metia medo e deslumbrava! Leopoldo da Silva trazia, de Palma, as suas credenciais de novo chefe da COLUNA DE MASASSI, arrebanhou homens, exaltou esperanças e redigiu a "Ordem de Marcha" e, no dia imediato a Coluna, meia estremunhada, meio louca, abandona a esplanada de Nevala marchando para Lulindi (...)



(...) À frente, Leopoldo da Silva e a sua hoste de artilheiros, cavalgando com firmeza, seguindo-o, um grupo de militares sem vontade, sem fé, projectando na fria luz da madrugada a sua mancha bizarra de miséria: clarões de carne ao léu, farrapos de vestuários, alguns meios nus, outros em mangas de camisa (...)


Colecção particular

(...) Com o sol ardente, às portas de Lulindi a artilharia toma posições, regula o tiro e abre fogo nutrido. As "sharpnell" sibilam em chicotadas de aço, batendo o ar mas sem resposta do inimigo (...)
A artilharia
Colecção particular


A emboscada alemã
Colecção particular

(...) Retoma-se a marcha e, com a coluna entupida na apertada barragem do caminho, num belo alvo, a emboscada alemã replica então com ferocidade varando a cavalaria de exploração numa fuzilaria brava (...)

(...) Há um embaraço e pânico, tumultos, esboçam-se fugas. A estreita estrada regurgita de trens municiadores e carros de víveres, dificultando as posições. Mas a infantaria negra estende e abre em duas secções; a primeira comandada pelo valente  Tenente Saraiva, da 22.ª Indígena, ocupa o flanco esquerdo; a segunda, postada no flanco direito às ordens de outro bravo militar, o Sargento Matos do 28 (...)


Colecção particular

(...) O fogo rompe, primeiro fraquejante, depois intrépido e quente. Mas o inimigo encrespa-se com ousadia, assume superioridade, varre as frentes com rajadas continuas (...)  Entretanto para desgraça das armas portuguesas, a nossa artilharia muito perto de nós, não podia fazer fogo, e as metralhadoras muito a custo eram arrastadas para a linha de combate. A guarnição dessas armas era deficientíssima: as peças tinham um clarim, um 2.º cabo, dois sargentos e um oficial; as metralhadoras apenas nove soldados de infantaria, apanhados à unha, conhecendo esta arma só de longe (...)

Artilharia alemã
Colecção particular

(...) E já nas metralhadoras faltam as munições; já os carregadores fogem apavorados com esta luta de tigres enfurecidos, e é então que o Major Leopoldo da Silva vendo, num relâmpago, a queda inevitável do seu vasto sonho de águia napoleónica, corre, numa humildade de soldado que não trepida, e acode com pólvora, com um cunhete inteiro, à metralhadora prestes a calar-se...mas duas balas sibilam com alegria macabra, criminosas, ímpias, e o Deus tomba, ferido de morte! (...)


As metralhadoras
Colecção particular

(...) A raiva da dor e a previsão duma derrota morde como áspides a coragem destes leões, perturbando o campo. E um incêndio de loucura varre as fileiras, cresta as almas (...) um sargento do 28, neste desvairamento da refrega, prende o Alferes Craveiro Lopes tomando-o por "boche", o Tenente Germeniano Saraiva, varejado pelas nossas metralhadoras, intima-as a calarem-se ou a mudarem de direcção, sob o perigo de mandar os seus homens fazer fogo contra elas, ninguém se entende (...)

Capitão Pedro Curado
Colecção particular

(...) Entretanto, levado para a retaguarda com o Ajudante - o Alferes Monteiro Leite, também ferido quando o socorria - o Major Leopoldo da Silva, rouco, esvaído de sangue, clamava que "retirassem" e salvassem os seus soldados...- grande ainda, Senhor, no seu imenso coração vencido! (...) os ânimos dobram-se, há um fraquejo nos graduados. Seria melhor retirar...alguém alvitra com timidez (...) ergue-se então o maior Homem de toda esta Epopeia decadente: é o Capitão Pedro Curado! Pistola no cinturão, cavalo-marinho e cachimbo à "rifle", dissimulada despretensiosamente sob o chapeirão bóer (...) e sem perder um momento é ele que assume o comando. Então de novo o campo se electriza. À falta de água, esgotadas já as últimas garrafas de Cúria e Vidago, urinar-se à pressa no "refrigerador" das metralhadoras. Depois, sempre de pé, arrastando todo o arraial, o chefe precipita a sua companhia negra numa avalanche sobre o "boche", a qual, valente como nunca, ébria da pólvora e lisonjeada pela grandeza do comandante, rompe em pavorosa gritaria e faz uma "carga" ululante e épica. Foi o fim. O inimigo fraquejou, quebrou e sob o último tiro das nossas granadas, calou-se de todo, retirando em desordem, desmantelado, sem orgulho e sem forças, para a baixa charneca de Lulindi. Anoitecia (...)

Posto de observação
Colecção particular


(...) Com a retirada de Leopoldo da Silva o comando do combate pertencia ao Capitão Baptista, das metralhadoras como, oficial mais antigo. Porém alegando não sei que "pessoalíssimas razões" este, oficial, recusou-se terminantemente a esta missão. E como comentário  é conhecido este grito galhardo do Capitão Curado, que berrou para um emissário, no fim do combate: "DIGA LÁ AO SR. CAPITÃO BAPTISTA QUE VENHA TOMAR O COMANDO DISTO, QUE JÁ NÃO HÁ TIROS" (...)


(...) Louco? Visionário? Leopoldo da Silva ficou no meu coração, que meu pai ensinou a ser grande, como símbolo do esforço heróico, castiço, da velha cavalaria Lusa - por isso merecendo o meu amor e a minha admiração, poucas vezes dispensada aos homens. Que ele fosse um louco, sim! Mas todos nós preferiríamos morrer heroicamente com este Louco, numa luta briosa e enérgica, com sangue e sol, a acabarmos vergonhosamente como o aristocrático senhor de Palma, apodrecendo nas lamas da Base."

(...) Glória ao Herói de Quivambo! (...)

António da Cértima  in: "Epopeia Maldita"

Coorden. do texto: marr

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